segunda-feira, 20 de novembro de 2017

De perguntas que uma socióloga não é capaz de responder...


Durante a noite choveu tanto, tanto, que a cidade amanheceu toda alagada, e o trânsito parado. Quem tinha que ir trabalhar acabou preso nalgum ponto das ruas imobilizadas. No início da tarde, alguns setores da cidade começaram a fluir, mas ainda havia viadutos e algumas vias debaixo d’água. No hotel, me informaram que o percurso para o aeroporto estava livre. Alívio. Decidi ir bem mais cedo, para evitar sustos de última hora.

O taxista foi conversando, explicando os desvios, as alternativas que ele, conhecedor profissional da cidade, dominava para evitar os problemas de trânsito. E também contando os dramas de pessoas conhecidas suas ante o caos provocado pela chuvarada. Numa breve pausa, me perguntou o que a senhora faz? A resposta pareceu-me fácil, a princípio: sou professora. Quem já não teve uma professora? Mas então ele veio com o desdobramento da pergunta, só para complicar: de que? Pensei rápido. Se falasse professora de artes, complicaria. Melhor falar que era de sociologia. A profissão de sociólogo parecia um pouco menos complicada, pois sempre tem algum sociólogo na televisão explicando porque as coisas acontecem assim ou assado. Teve uma rebelião no presídio? Chama o sociólogo para explicar. Durante o carnaval, lá vem algum sociólogo falar sobre essa manifestação popular massiva. O Papa veio visitar o país, tem um sociólogo de plantão para falar sobre. Pronto. Professora de sociologia, respondi.

Ele pensou por um momento, e perguntou do que trata um professor de sociologia? A estas alturas, comecei a suspeitar que eu houvera entrado numa armadilha montada por mim mesma. Trata da vida em grupo, de como as pessoas se organizam para viver em conjunto, na sociedade... Eu mesma não estava muito convencida com a minha resposta. Observei a expressão no rosto do motorista. Depois de mais uma pausa, ele falou eu tenho um irmão que tem problema. Ele é usuário de drogas. A gente já fez de tudo, ele já foi internado, nenhum psiquiatra, nenhum médico conseguiu tirar ele do mundo das drogas. Será que um sociólogo ajudava?

Não, não ajudava... Weber já diferenciou claramente a ciência da política, o conhecimento da ação. Sociólogos não querem intervir, só querem explicar... Explicar, para o que? Ali no táxi, a caminho do aeroporto, senti o peso da inutilidade das intermináveis explicações, de todas as teorias sociológicas, quando nenhuma delas é capaz de sequer aplacar a dor de pessoas às voltas em seus descaminhos na vida social...

Despedi-me, formulando votos de que o irmão dele conseguisse superar o desafio. Estava decidida, também, a responder, da próxima vez que fosse questionada sobre minha profissão, sou mera professorinha de artes, e ensino a bordar, e talvez alguns pontos de crochê...

Muito mais útil!





quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Das funções do riso


Sentadas à mesa, eu tomava uma xícara de xá, enquanto minha irmã fazia nebulização. Eu falava besteiras, e nós duas ríamos muito, ríamos de nada, ríamos como riem as irmãs com o espírito leve, em tardes ensolaradas, depois de temporais.

Sentada, ao outro lado da mesa, às vésperas de completar 90 anos, nossa mãe nos observava, e ria também. Numa pausa, ela iniciou uma declaração, em tom quase solene:

- Vocês duas não imaginam o quanto me ajudaram, com essa risadaiada...

Eu e minha irmã aguardamos o seguimento da fala, na expectativa que ela se referisse ao papel da alegria para manter a família unida, ou do quanto a alegria faz bem à saúde, ou algo similar. Havia uma quase comoção no ar. 

Então ela prosseguiu:

- Enquanto vocês riam, eu aproveitei para soltar tantos peidos... Nossa, estou aliviada!

Os risos se prolongaram, sim, por mais um bom tempo. Por que faz bem. Inclusive para eliminar gases!