sábado, 31 de janeiro de 2015

Semana p'rá lá de intensa



Sábado e domingo, no set com Martins Muniz e a trupe do Sistema CooperAção Amigos do Cinema. Depois de tantos anos, volto a atuar, dirigida por esse brincante contador de histórias, um fazedor de cinema, com o passo trôpego, o gesto travado, os dedos faltantes, e a alma absolutamente inquieta. Silêncio! Gravando! Cenário do trabalho: Catedral das Artes, construção ímpar do artista ímpar Noé Luiz da Mota.
Na Catedral das Artes, uma nota de rodapé para a figura absolutamente outsider do João da Estrada, o andarilho, e tudo quanto sua aparição tenha provocado de inquietações e perguntas sobre as estradas, todas, que vamos seguindo...

Terça feira, aniversário da minha madrinha, com programação para o dia todo. Começando por um passeio (com direito a mergulho) até a Água Mineral, aonde eu não ia desde há coisa de quase 20 anos...

Quarta feira, encaminhamento de inscrição de trabalho para evento internacional. O exercício me fez repassar, na memória, muitos dados, imagens, situações, sonhos, utopias. Acordes que ganham novas afinações.

Quinta feira, reunião importante para decidir rumos do projeto de pesquisa. Decisões importantes. É preciso assumir certos encaminhamentos mais pesados para trilhar, de fato, o caminho da pesquisa e da produção de conhecimento.
Quinta feira, aprovação da minha orientanda no concurso para professor efetivo numa universidade federal. Agora, não é mais minha aluna, nem orientanda: é minha colega.

Sexta feira, até a madrugada do sábado, escrita a quatro mãos de um capítulo do romance coletivo a ser publicado pelo Instituto Memória. Título do nosso capítulo: “... Não aprendi a dizer adeus...” Nos divertimos com o resultado!

Sábado, depois de quase três anos de busca, reencontramos Seu Zagati, falamos com ele ao telefone. Por que amigos não se perdem uns dos outros, mesmo quando pouco se vejam...


Cara, isso tudo, assim, na pauleira, sem tempo para recreio! Sinceramente? Eu acho é bom, mas bicho, give me a time! Eu preciso de tempo p’rá assimilar tanta informação, tanto susto, tamanha intensidade a cada dia! É muita coisa de uma vez só!

A propósito, alguém aí disse que eu ainda estou em férias?... Quem foi?








domingo, 25 de janeiro de 2015

O (descom)passo de um relógio analógico movido a bateria



Às 18h10, o relógio analógico marca 3h15. Poderiam ser 15h15. As baterias foram trocadas recentemente. Alimentam normalmente seu movimento e trabalho. E por mais que se acerte o passo de seus ponteiros com os demais relógios da casa, não tarda para que eles tenham alterado o ritmo, e marquem horários outros.

E eu me pergunto: que tempo de que lugar este relógio se pôs a marcar?

Ficou decidido: não mais tentaremos forçá-lo a marcar as horas deste planeta, neste fuso horário. Um dia, quem sabe, eu descubra as coordenadas geográficas (ou extraplanetárias, sabe-se lá...) de acordo com as quais ele, de um tempo para cá, passou a funcionar...






sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O Castelo, o fosso, o tesouro e os piratas



Na torre mais alta do castelo sobre a colina, foi guardado um tesouro feito com bananas, canela e passas de uva.
Na torre mais alta do castelo, o bolo repousou gostosuras...


O perfume estendeu-se da torre até as diversas formas de vida à volta: grandes, pequenas e muito pequenas, mamíferos e insetos...
O perfume do tesouro despertou apetites...


Mas, na parte de baixo da torre do castelo, havia um fosso com água e crocodilos imensos, e sem pontes levadiças. 



O fosso foi construído estrategicamente por gigantes gulosos, para proteger o tesouro dos pequeninos piratas, muitos, que percorrem as cercanias, buscando doçuras...









sábado, 17 de janeiro de 2015

Bichos V - Gente (Vilém Flusser)

Bichos V
Gente
O que é que distingue o homem dos demais animais radicalmente, tão radicalmente que merece estudos totalmente separados da zoologia? Isto: todos os zoólogos pertencem, eles próprios, a espécie humana. Já que o Homem é o tema mais apaixonante do homem, e já que os zoólogos são homens, reservam ciências especiais e separadas da zoologia, para o estudo do Homem. Por exemplo a antropologia. E aí passam a descobrir, obviamente, que o Homem se distingue dos animais em muitos aspectos. Obviamente, porque se, em vez de antropologia, fizessem arthropodologia, descobririam que os insetos se distinguem dos animais em tantos aspectos, em quantos deles se distingue o Homem.
Todas as espécies são inteiramente distintas das demais sob certos aspectos. Não fosse assim, e não teria sentido falar-se em espécies distintas. E todas as espécies, cada qual por si, representa um ponto máximo na evolução da vida. Não fosse assim, e a espécie estaria extinta. Representam, cada qual, um ponto máximo da evolução. Mas cada qual o ponto máximo de um ramo da evolução que se dirige a metas divergentes. Apenas neste sentido é o Homem animal mais evoluído. Todos os animais existentes são, neste sentido, os mais evoluídos.
Será pois a nossa profunda convicção quanto à posição especial do Homem no contexto da vida apenas expressão do nosso chauvinismo humano? Não haverá realmente critério “objetivo” a permitir a afirmativa que somos superiores às minhocas? Estamos realmente condenados a dizer que “objetivamente” a minhoca nos supera por exemplo na capacidade de regenerar partes do corpo perdidas? Possivelmente não haja. Possivelmente a objetividade nos obriga a reconhecer que todos os animais são iguais, inclusive o homem. Animal Farm de Orwell. Mas o que significa isto? Absolutamente nada.
A objetividade que se dane. Viva o chauvinismo humano (o único chauvinismo que se justifica atualmente). Somos humanos, e nada de humano nos é alheio. Cantemos o louvor do Homem, não embora seja apenas animal igual aos outros, mas porque é apenas animal igual aos outros. E não cantemos apenas o louvor dos ditos “grandes” homens. Isto seria fácil. Sophocles e Mozart dispensam nossos louvores. Cantemos o louvor da gente. Isto é o que é difícil. É difícil ver na massa uniforme, cinzenta e corriqueira dos homens que nos cercam o fato de que cada qual desses homens é potencialmente o nosso parceiro na luta contra o absurdo da vida e da morte animalesca. É difícil, mas deve ser tentado. Não com, mas contra toda antropologia.

Vilém Flusser



sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A lição mais importante do mestre


O relato em questão tem duas portas de entrada. Tentarei conciliar ambas nesta narrativa.


Porta 1 – primeira parte
Formou-se médico, fez a primeira residência em pediatria, mas foi na psiquiatria que encontrou o campo de atuação mais apaixonante. Escolheu dedicar sua atenção a pacientes dependentes químicos. Alcóolatras, viciados em cocaína, e tantos outros, integravam a população de sofredores que se submetiam aos seus cuidados. A experiência profissional lhe deu fôlego para também atuar como docente, e passou a ensinar num curso de medicina, preparando estudantes para trabalhar com aquelas questões.

Muito atuante, participava de programas de entrevistas, publicava artigos, em que tratava dos desafios na sociedade contemporânea para se abordar a questão das drogas.


Porta 2 – primeira parte
Fizemos nossa mudança para o apartamento amplo e antigo no mês de junho. Levei algum tempo para me acostumar à proximidade com o prédio ao lado. Ouvíamos boa parte das conversas dos nossos vizinhos. Havia uma mãe que brigava muito com as crianças. Um casal que, de tempos em tempos, discutia com veemência. Aos poucos, naturalizamos essas informações, que passaram a integrar a paisagem sonora, ao lado das conversas simpáticas das maritacas pela manhã e nos finais de tarde, das advertências dos bem-te-vis aninhados nos transformadores de energia elétrica, e também do ruído continuado dos carros transitando na rua concorrida.

Não estou muito certa sobre quando começamos a ouvir os gemidos longos, persistentes, cortando o estreito espaço entre os dois prédios. Eles criaram uma marca diferenciada na paisagem sonora, e nos comoveram. Em vários momentos do dia, por vezes noite adentro, reverberavam dor e sofrimento. Oras mais intensos, oras agitados, noutras mais leves, os gemidos começaram a nos instigar: quem seria? Seria algum idoso submetido a maus tratos?


Porta 1 – segunda parte
Num dia quase corriqueiro de sua rotina, depois de ter atendido seus pacientes, passou ao bloco das aulas. Quando se preparou para iniciar as explicações à classe cheia de alunos, deu-se conta de que havia esquecido o que tinha a dizer. Uma lacuna abriu-se em sua memória, repentinamente. O vazio que se iniciava em sua mente parecia ter alguma coisa de familiar, reconhecível. Ele próprio poderia diagnosticar. Por isso mesmo, tratou de solicitar os exames, verificar possibilidades, enfrentar o monstro que despertava para aterrorizar seus dias e noites. O pior monstro, que não mais o deixaria.

Não se passou muito tempo entre o diagnóstico e a deflagração da perda gradativa de movimentos e fala. Aposentado por invalidez, a esposa não suportou o peso da missão que recaiu sobre si, pediu a separação. Foi organizada uma estrutura de atendimento domiciliar, com cuidadores revesando-se 24hs por dia.


Porta 2 – segunda parte
Quando saí com o carro pelo portão da garagem, deparei-me com a mocinha empurrando a cadeira de rodas em direção à praça que dista uns 400m. Ele seguia, atento ao movimento da rua, com os braços caídos sobre as pernas, interagindo com a mocinha, enquanto ela falava algumas coisas. Estremeci, reconhecendo o gemido que, naquele momento, ganhou fisionomia e corpo.


A lição mais importante do mestre
Íamos à feira. Apesar de estarmos ainda na primeira metade da manhã, o calor beirava, já, a escala do insuportável. Passando ao lado do prédio da esquina, ouvi o gemido reconhecível mesmo a muita distância. Estava sentado, numa cadeira, ao lado da mesma moça que eu vira conduzindo sua cadeira de rodas. Foi ela que contou sua história, e relatou as condições em que estava vivendo. Atualmente, caminha com muita dificuldade, tem poucos movimentos, não pode falar, mas permanece lúcido. Estavam ali, esperando pela ex-esposa que, embora tenha se separado, não deixou de apoiá-lo.

Foi assim que soubemos sobre sua formação profissional, sobre sua atuação como professor, e do fato de que é muito conhecido, e querido, na cidade. Muitos ex-alunos e ex-pacientes alegram-se ao encontrá-lo, e assim também o alegram, apesar da dor que se abateu sobre ele.

Aprender sobre a dor, a impotência, a frustração: esta, a lição mais importante sendo propiciada pelo mestre. No entanto, parece que poucos são os aprendizes dispostos a comparecer a essas aulas...








sábado, 10 de janeiro de 2015

Ética, ciência, filosofia: entre o filme Interestelar e os Pensadores da nova esquerda



Fui assistir ao filme Interestelar. Entre as temáticas abordadas no enredo, estão questões éticas da pesquisa tecnocientífica. Além dos dilemas marcados entre decisões que envolvem escolhas entre os vínculos afetivos mais próximos e o destino da humanidade, estão as situações em que, cada qual movido por razões singulares, cientistas mentem, ou forjam dados, para assegurar a realização de seus projetos. É particularmente sobre este ponto que pretendo me deter.

Curiosamente, no mesmo dia, chegou-me às mãos uma resenha crítica do livro intitulado Pensadores da nova esquerda (cuja aquisição já providenciei), escrito por Roger Scruton nos anos 80 do século XX, mas só traduzido para o português em 2014. Nele, o filósofo inglês faz uma análise crítica da obra de um conjunto de quatorze intelectuais importantes no cenário do século XX, que aprofundaram as discussões marxistas, conhecidos como Nova Esquerda. Alguns deles ainda mantêm vigor em suas ideias, influenciando a produção de conhecimento século XXI adentro. Dentre esses, estão Foucault, Gramsci, Althusser, Habermas, Lukács, Galbraith. Nessa lista, também está Jean-Paul Sartre, protagonista de um episódio que me motiva a esta reflexão.

Scruton é duro em suas análises, advertindo para o fato de que a maior parte da produção reflexiva nessa direção é prenhe de bandeiras ideológicas, pouco restando de conhecimento crítico reflexivo propriamente dito. Vai mais longe, apontando situações nas quais os intelectuais e pensadores não hesitaram em forjar dados, ou mentir sobre o que teriam testemunhado, para confirmar suas convicções e defender seus projetos. Particularmente, os projetos vinculados às revoluções de esquerda.

Esse teria sido o caso de Jean-Paul Sarte que, mesmo tendo testemunhado atrocidades imperdoáveis na União Soviética, quando lá esteve em 1954, mentiu sobre elas, omitindo esse testemunho, em favor do projeto marxista de sociedade, de uma utopia não realizada. Ou seja, a construção de uma sociedade socialista, que se pretendia mais justa, valia o preço de uma montanha de cadáveres. E também justificava a falsificação dos fatos. Sartre teria admitido esse episódio já perto de sua morte, sem, contudo, trazê-lo à mesma visibilidade com que o fez em relação à defesa messiânica do projeto de esquerda, ancorado na experiência soviética.

No filme Interestelar, Dr. Mann é um cientista enviado em viagem através de um buraco de minhoca, para explorar um planeta que, aparentemente, poderia oferecer condições de abrigar a espécie humana, quando parecia inevitável a falência da vida no planeta Terra. O cientista teria registrado dados que confirmavam essa possibilidade no planeta onde fazia as investigações. Isso justificou a decisão de se fazer uma nova viagem até o planeta, para resgatar o Dr. Mann, e fazer o reconhecimento do local. Assim, seria possível verificar o que seria necessário para colonizar o local. No entanto, os dados tinham sido forjados pelo cientista, num gesto de desespero ante a constatação de que, sendo inóspito o local, ele estaria condenado a morrer ali, sozinho. Mentir foi a única saída que ele encontrou para ser resgatado, não importando se esse resgate custaria a descoberta de alguma saída para a sobrevivência da espécie humana. Ou seja, poderia custar a morte da humanidade.

No filme, a série de atitudes tomadas pelo cientista, em favor da própria sobrevivência e em detrimento do coletivo, ou da humanidade, foi castigada com sua morte. Não poderia ser diferente, considerando-se a moral que prevalece às narrativas hollywoodianas, sobretudo, as superproduções que evocam o imaginário de nação, a nação que encarna o próprio sentido de humanidade.

O cientista, na ficção científica, foi condenado à pena de morte, porque mentiu para ser resgatado e continuar vivo. O filósofo existencialista do século XX mentiu em defesa de um projeto de sociedade ainda em construção, que já tinha devorado e ceifado vidas sem fim, num campo de atrocidades nem sempre admitidas. O filósofo não sofreu nenhuma penalidade. Ao contrário, permanece sendo evocado por bandeiras que defendem uma sociedade mais livre e justa.

Parece, mesmo, que nossas noções de ética na pesquisa e na ciência precisam ganhar maturidade. Pois, até aqui, amiúde, o que entendemos por ética se aproxima muito mais a argumentos justificatórios para a realização dos desejos mais infantis e egoístas.


INTERESTELAR. Interstellar. Direção: Christopher Nolan. Duração: 169 min. EUA, 2014.
SCRUTON, Roger. Pensadores da nova esquerda. São Paulo: Editora É Realizações, 2014.



sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Do not go gentle into that good night

Dylan Thomas, 1914 - 1953

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.





2001 e Interestelar



2001: A space odyssey
2001: Uma odisseia no espaço
Stanley Kubrick
 1968 



Interstellar
Interestelar
Christopher Nolan
2014