sábado, 29 de março de 2014

O ELOGIO DA SUPERFICIALIDADE, POR VILÉM FLUSSER: AS MÍDIAS DIGITAIS






57ª ED. CAFÉ FILOSÓFICO COM Will Goya (GYN): 30/03/14, às 17h00

“O ELOGIO DA SUPERFICIALIDADE, POR VILÉM FLUSSER: AS MÍDIAS DIGITAIS”

CUSTO: 5kg de alimentos não perecíveis.
LOCAL: Bolshoi Pub, Rua T-53/T-2, n° 1140, Setor Bueno/GYN. 3285-6185.


quarta-feira, 26 de março de 2014

Kafka, Durkheim, o Estado, o Templo e o Labirinto



Precisava resolver duas questões na PF. Fiz o agendamento de uma delas por meio do site. A outra, fiz a solicitação por telefone. Agendaram o horário e o local, para onde me dirigi com um pouco de antecedência. Havia uma fila, na recepção. Aguardei minha vez. Mesmo com horário agendado, preciso pegar senha? A senhora vai fazer o quê? Expliquei. A moça disse A senhora precisa ir naquele balcão, e mostrar os documentos necessários para aquele rapaz. Havia uma segunda fila. Aguardei minha vez. O que a senhora vai fazer? Expliquei. Eu preciso dos seus documentos, ele falou. Mostrei-lhe, todos. Ele reuniu, e me devolveu. Havia certo poder no seu gesto. O rapazote gostava de exercê-lo. Entregou-me um papel quadradinho, pequeno, onde se lia, escrito a mão: PF 15:55. Ainda está muito cedo. Quando for exatamente 15 horas e 55 minutos, a senhora volta naquele balcão para pegar a senha. Antes disso, a senhora dá uma voltinha no shopping... Tinha um sorrizinho entre os lábios, enquanto pronunciava as instruções. O atendimento estava agendado para as 16h. Pensei, com meus botões, eu faço o que eu quiser com o tempo de espera! Mas agradeci. E saí dali. Fui a um terminal de autoatendimento bancário. Tentei caminhar devagar. Retornei, faltando 15 minutos para as 15 horas e 55 minutos. Ainda estava muito cedo. Coloquei-me a observar a movimentação labiríntica do lugar. Um enxame de pessoas que entravam e saíam. Uma centena de guichês com funcionários fazendo os mais diversos encaminhamentos: documentos pessoais, multas, taxas, cobranças, quitações, polícia, bombeiro, fotografia digital, seguro desemprego, emprego, papéis, papéis... Uns saíam preocupados. Outros mais perdidos do que quando entraram. Algumas pessoas saíam com um punhado de documentos na mão. Tinham, nas feições, a expressão de alívio de algum problema resolvido. Mas sairiam dali, e, por certo, logo encontrariam outras questões para resolver. 

O labirinto é assim: a gente se apruma num corredor que parece claro e reto, mas por pouco tempo, logo já estamos perdidos de novo.

Os que aguardavam, ficavam sentados, como numa igreja, de olhos pregados em três letreiros eletrônicos com letras vermelhas que se deslocavam da direita para a esquerda. Os funcionários teimam em chamar aquilo de os painéis. Ali, aparecem as abreviaturas dos lugares para onde cada um pretende seguir, o número da senha, e o respectivo guichê disponível para o atendimento. Todos, atentos, não podem despregar o olhar, pois basta uma distração para perder a vez. No papelzinho da senha está escrito: a senha será descartada depois da terceira chamada não atendida.

Assim é o Estado, essa instituição da qual tomamos parte, sem termos solicitado ingresso, e sem termos a opção de sair dele. Penso na atualidade da obra de Franz Kafka. Sinto vontade de reler O Processo. Sinto vontade é de ler O Processo em voz alta, dando voltas por aquele lugar.

Lembro-me do meu horário. São 15 horas e 53 minutos. Sigo ao balcão. Meio a contra-gosto, o rapaz gera a minha senha. Ainda não eram 15 horas e 55 minutos, conforme ele estabelecera. Teimosia, a  minha! Provavelmente, a senha só seja gerada tão próxima ao horário agendado para comprovar o pouco tempo de espera para o atendimento nos dados estatísticos do governo. Leio o pequeno papel amarelo. Ali está impresso o código do que vou fazer, e o número 110. Integro-me à massa que venera os 3 letreiros eletrônicos. Suas luzes vermelhas e o sinal sonoro não repousam um segundo sequer. Passa algum tempo, e percebo que o código da minha senha nunca é chamado. Estaria errada? Eu estaria venerando os letreiros errados? Mais algum tempo, constato que já se passaram 10 minutos do meu horário agendado. Espero um pouco mais, ainda, e então o tal código é chamado, seguido da senha de número 106. Isso me informa que o atendimento está atrasado, e não há o que fazer, senão esperar. Desisti de contar o tempo. Mas não posso desviar o olhar dos letreiros, de onde os chamados jorram incessantemente. Enquanto isso, aguço os ouvidos para acompanhar as conversas à minha volta.

Um bom tempo depois, minha senha foi chamada. A policial que me atendeu recomendou que eu trocasse minha carteira de identidade. Você está muito novinha nela! Uma menina! Achei graça. Acho que envelheci... Perguntei aos meus botões se deveria me sentir acabada, naquele momento. Talvez estivesse, mesmo. Mas ela foi gentil. Olhou meus documentos, e mos devolveu, todos. Com um papel a mais. Era o protocolo para meu retorno. Na sequência, outra policial me atendeu para a segunda questão. Foi gentil também. Quando saí da área restrita, senti novamente o impacto da multidão de pessoas circulando no hall central, e venerando os três letreiros eletrônicos.

Lembrei-me de Émile Durkheim. Para ele, entre o Estado e o indivíduo social, é necessário haver várias instâncias que façam a mediação. Só assim o indivíduo tem alguma chance de não sucumbir ao peso do Estado. As duas policiais, de alguma forma, cumprem esse papel, lembrando, na sua forma de atendimento, nossa humanidade. Mas é inevitável: o Estado ruge, eu posso ouvir, todos ouvimos, enquanto nos batemos em seus labirintos, quase sempre impotentes e assustados, por vezes até um pouco satisfeitos quando conseguimos regularizar algum documento, pagar alguma dívida contraída à revelia, nos fazendo respeitar, cidadãos que somos, ao menos por uma filigrana de tempo.

Saio dali. Para retornar na nova data marcada. Quando repetirei todos os rituais para a próxima senha, e a devoção aos três letreiros de onde jorram incessantes chamamentos por meio de códigos que só mesmo os iniciados sabem decifrar!




terça-feira, 25 de março de 2014

La Maldicion De Malinche (Gabino Palomares)


Del mar los vieron llegar
mis hermanos emplumados,
eran los hombres barbados
de la profecía esperada.

Se oyó la voz del monarca
de que el Dios había llegado
y les abrimos la puerta
por temor a lo ignorado.

Iban montados en bestias
como Demonios del mal,
iban con fuego en las manos
y cubiertos de metal.

Sólo el valor de unos cuantos
les opuso resistencia
y al mirar correr la sangre
se llenaron de vergüenza.

Por que los Dioses ni comen,
ni gozan con lo robado
y cuando nos dimos cuenta
ya todo estaba acabado.

Y en ese error entregamos
la grandeza del pasado,
y en ese error nos quedamos
trescientos años de esclavos.

Se nos quedó el maleficio
de brindar al extranjero
nuestra fé, nuestra cultura,
nuestro pan, nuestro dinero.

Y les seguimos cambiando
oro por cuentas de vidrio
y damos nuestra riqueza
por sus espejos con brillo.

Hoy en pleno siglo XX
nos siguen llegando rubios
y les abrimos la casa
y los llamamos amigos.

Pero si llega cansado
un indio de andar la sierra,
lo humillamos y lo vemos
como extraño por su tierra.

Tú, hipócrita que te muestras
humilde ante el extranjero
pero te vuelves soberbio
con tus hermanos del pueblo.

Oh, Maldición de Malinche,
enfermedad del presente
¿Cuándo dejarás mi tierra
cuando harás libre a mi gente?







domingo, 23 de março de 2014

Estórias abensonhadas (Mia Couto) – fragmentos


Enquanto remava um demorado regresso, me vinham à lembrança as velhas palavras de meu velho avô: a água e o tempo são irmãos gêmeos, nascidos do mesmo ventre. E eu acabava de descobrir em mim um rio que não haveria nunca de morrer. A esse rio volto agora a conduzir meu filho, lhe ensinando a vislumbrar os bancos panos da outra margem. (p. 14)

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Toda a estória se quer fingir verdade. Mas a palavra é um fumo, leve de mais para se prender na vigente realidade. Toda a verdade aspira ser estória. Os factos sonham ser palavra, perfumes fugindo do mundo. Se verá neste caso que só na mentira do encantamento a verdade se casa à estória. O que aqui vou relatar se passou em terra sossegada, dessa que recebe mais domingos que dias de semana. (p. 47)

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– Quem está balançar: sou eu, é a cadeira ou é o mundo? (p. 67)

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Mas agora, no momento que lhe escrevo, nem mais me apetece explicação. Quero desraciocinar. Em cada dia não espero senão a noite, as brandas tempestades em que sou Joãotónio e Joanantónia, masculina e feminino, nos braços viris de minha esposa. Por enquanto, mano, ainda sou Joãotónio. Me vou despedindo, vagarinhoso, do meu verdadeiro nome. (p. 103)

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Não sou homem de igreja. Não creio e isso me dá uma tristeza. Porque, afinal, tenho em mim a religiosidade exigível a qualquer crente. Sou religioso sem religião. Sofro, afinal, a doença da poesia: sonho lugares em que nunca estive, acredito só no que não se pode provar. E, mesmo seu eu hoje rezasse, não saberia o que pedir a Deus. Esse é o meu medo: só os loucos não sabem o que pedir a Deus. Ou não se dará o caso de Deus ter perdido fé nos homens? Enfim, meu gosto de visitar as igrejas vem apenas da tranquilitude desse lugarinhos côncavos, cheios de sombras sossegadas. Lá eu sei respirar. Fora fica o mundo e suas desacudidas misérias. (p. 121)







sábado, 22 de março de 2014

um ranchinho para ser feliz


para David, meu pai,
que me levava para ver o barbacuá


Havia um erval nativo próximo de nossa casa. Por isso, na época certa, meu pai contratava um grupo para fabricar erva-mate. Eles acampavam no meio do mato. Ali, montavam o barbacuá, que era uma geringonça enorme, feita com taquara e cipó, para sustentar as folhas de erva suspensas, com um fogo morno por baixo, fumegando, fumegando, enquanto elas iam secando. Era preciso montar um plantão entre os trabalhadores, para não deixar o fogo morrer, nem ficar muito forte, e também para ir revirando as folhas, mudando as de baixo para cima, e as de cima para baixo. Assim, todas as folhas secavam por igual, e nenhuma corria o risco de azedar, na umidade quente que ficava lá bem no meio do amontoado. Também nenhuma acabava queimada, por ficar muito tempo exposta ao calor direto, nas camadas mais baixas.

Entre montar o acampamento, o barbacuá, cortar as folhas, secar e, depois de tudo pronto, colocar nos caixotes de madeira, era faina que durava p'rá lá de mês.

Por vezes meu pai me levava para ver o barbacuá.

Além da enorme estrutura fumegante, parecendo um estranho bicho no meio do mato, o que me fascinava era o rancho onde os homens ficavam instalados. Montado com duas forquilhas alinhadas, uma viga apoiada nas duas, a cobertura estendendo-se até o chão, onde encontrava uma tora de madeira de cada lado, formava um triângulo de capim. Parecia que, em lugar de construírem a casa, fizeram só o teto, e ele ficou ali, apoiado no chão, bastando para ser habitado. Sob seu abrigo, ficavam as quinquilharias de cada um, o pelego sobre o qual dormiam, e algumas ferramentas. Do lado de fora, sobre outro tronco, os poucos utensílios de cozinha, um fogão improvisado com pedras e terra, para o preparo do alimento, pouco, de todo dia, e para o chimarrão. 

Ao fim das contas, é preciso muito pouco para garantir a vida... Vivemos, mesmo, é às voltas com o que há a mais, os excessos. Mas isso é já outra história...

Eu voltava para casa, sonhando em viver num lugar como aquele. Sem dúvida, a felicidade habita essas moradas. Nem sempre as outras, altivas e sofisticadas. Ainda hoje, lembro dos ranchos montados pelos ervateiros, e tenho certeza de que a brisa a soprar o capim de sua cobertura sussurrava o segredo de ser feliz.