sexta-feira, 29 de março de 2013

Sexta Feira da Paixão


Toda Quinta Feira Santa, contava nossa mãe, Deus, depois do almoço, se recolhia para sestear um pouco. Enquanto o Senhor cochilava, o Diabo trancava a porta, deixando-o encerrado lá, até a meia noite da Sexta Feira da Paixão. Por isso, desde a Quinta Feira Santa, e durante toda a Sexta Feira, era preciso termos cuidado, sem fazer mal a nenhum ser vivo, pois estávamos completamente a descoberto da proteção Divina. Só no Sábado de Aleluia é que estaríamos a salvo, novamente.

Minha irmã, em sua racionalidade matemática, perguntava ora, se Deus sabe que ficará trancado, por que insiste em ir sestear depois do almoço, na Quinta Feira Santa?

Coisas do Mistério irrespondível...

quinta-feira, 28 de março de 2013

Declaração da pós-modernidade anacrônica



1. Declaro a morte do autor formal. Ao final, assino o texto, publico e cobro o pagamento dos direitos autorais;
2. Declaro a morte do artista autoral. E inscrevo meu último trabalho no próximo salão de artes, exijo que meu nome conste do catálogo, e registro essa referência em meu portfólio cada vez mais numeroso em itens e títulos;
3. Declaro a dissolução do binômio erudito/popular (mas não a extinção da separação entre ricos e pobres...). E absorvo em minha obra elementos da produção de atores inominados da cultura, e apresento os resultados entre meus pares, ganhando reconhecimento pela ousadia e pelo sentido de ruptura de que o meu trabalho esteja impregnado;
4. Declaro a quebra das estruturas hierárquicas que cristalizam as relações de poder. Depois, tranco a chaves a porta da sala de cristal onde me abrigo à sombra do poder, evocando para mim o papel de porta-voz da revolução possível;
5. Declaro o desfazimento das fronteiras. E, da janela do avião, olho a paisagem sem qualquer envolvimento. E, nos percursos entre aeroportos e hotéis, não arrisco ultrapassar as outras fronteiras que preservam meu conforto em condições privilegiadas de instalação;
6. Declaro instaurada a pós-modernidade desterritorializada, portadora de múltiplas identidades, marcada pelos fluxos em escala planetária de pessoas, imagens, informações, capitais, desejos. Depois de redirecionar meus saldos bancários para melhores investimentos ao momento, recolho-me aos jardins de inverno do meu palácio, onde posso brindar com meus convivas, enquanto a corveia anônima prepara o lauto banquete do qual não tomará parte ativa alguma.
Mas, por outra, ... et pur si muove!... Ponto.
Rio de Janeiro, 24 de junho de 2010
Alice Fátima Martins


Este texto integra meu livro Catadores de sucata da indústria cultural, que integra a coleção FUNAPE/UFG, a ser lançado no dia 11 de abril de 2013, às 19h, no Hall da Biblioteca do Campus I. Espero por vocês lá!


Coelhinho da Páscoa


Coelhinho da Páscoa, que trazes p'rá mim?
Um ovo, dois ovos, três ovos assim!
Coelhinho da Páscoa, que cor eles têm?
Azul, amarelo e vermelho também!




O desenho é meu, de muitos, mas muitos anos atrás,
 o texto é de Alice Vieira Martins.




quarta-feira, 27 de março de 2013

Passagens entre cinema e arte contemporânea: para um “cinema de exposição”






Desde há pouco mais de 20 anos, em crescente grau de intensidade, o cinema e a arte contemporânea têm manifestado formas de aproximação mútua que tomam a forma de múltiplas e variadas relações.  A mais evidente é, sem dúvida, a recuperação, mais frequente em espaços expositivos, de obras ou de imagens cinematográficas, convocada por meio de instalações, projeções, e vários dispositivos. A presença muito clara de uma espécie de "efeito cinema" na arte contemporânea opera tanto literalmente por "exposição" (mais ou menos transformadas) de filmes, como pela reciclagem de fragmentos de arquivos de filme, ou a reconstituição do filme de referência (como se diz na reconstituição de um crime), por vezes é menos o caso de migração de imagens que de migração dos dispositivos (trabalho sobre a forma das salas, da tela, da projeção, da postura do espectador, etc.), outras vezes, mais indiretamente, talvez mesmo de maneira francamente metafórica, ela segue por paralelos, alusões, coincidências e semelhanças formais ou conceituais.

Por outro lado, simetricamente, é possível notar que, no centro da indústria e da instituição cinematográfica, muitos cineastas manifestam uma crescente tomada de consciência das questões da cena artística (por exemplo, pensar o filme como museu, ou opor um valor de exposição do cinema a um valor de projeção), ou abrem seu trabalho a experiências de figuração e estruturação “plásticas”, ou às novas apresentações visuais (sob a forma de instalações ou de performances), quando não se transformam, eles próprios, em “curados” da exposição.

Finalmente, no plano histórico, é preciso não esquecer, que, desde algum tempo, o domínio do chamado “cinema experimental” (cinema expandido ou montagens com filmes já realizados), e mesmo o vídeo-arte (desde a vídeo-escultura à instalação-projeção) têm cumprido um papel de transitar na interseção midiática entre a arte e o cinema.


Philippe Dubois é professor no Departamento de Cinema e Audiovisual da  Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3, onde é titular da cadeira de Teorias das formas visuais. Entre os livros publicados, estão: O ato fotográfico, e La Question vidéo. Entre cinéma et art contemporain (éd. Yellow Now, 2012)




terça-feira, 26 de março de 2013

Fim do mundo do fim



Como os escribas continuarão, os poucos leitores que no mundo havia vão mudar de profissão e adotar também a de escriba. Cada vez mais os países serão compostos por escribas e por fábricas de papel e de tinta, os escribas de dia e as máquinas de noite para imprimir o trabalho dos escribas.


Primeiro, as bibliotecas transbordarão para fora das casas; então, as prefeituras resolvem (já estamos vendo tudo) sacrificar as áreas de recreação infantil para ampliar as bibliotecas. Depois sucumbem os teatros, as maternidades, os matadouros, as cantinas, os hospitais. Os pobres aproveitam os livros com tijolos, grudam-nos com cimento e constroem paredes de livros e moram em casebres de livros.

Então acontece que os livros transbordam das cidades e entram nos campos, vão esmagando os trigais e os campos de girassóis, o Ministério da Viação mal consegue que os caminhos fiquem desimpedidos entre duas paredes altíssimas de livros. Às vezes uma parede cede e há espantosas catástrofes automobilísticas.

Os escribas trabalham sem trégua porque a humanidade respeita as vocações e os impressos já chegam à beira do mar. O presidente da república telefona para os presidentes das repúblicas e propõe inteligentemente jogar no mar o excedente de livros, o que se faz ao mesmo tempo em todas as costas do mundo.

Assim os escribas siberianos vêem seus impressos jogados no oceano glacial e os escribas indonésios, etc. Isso permite aos escribas aumentarem sua produção, porque volta a haver espaço na terra para armazenar livros.

Não pensam que o mar tem fundo, e que no fundo do mar começam a amontoar-se os impressos, primeiro em forma de pasta aglutinante, depois em forma de pasta consolidante, e finalmente como um chão resistente embora viscoso, que sobe diariamente alguns metros e acabará por chegar à superfície.

Então, muitas águas invadem muitas terras, produz-se uma nova distribuição de continentes e oceanos, e presidentes de diversas repúblicas são substituídos por lagos e penínsulas, presidentes de outras repúblicas vêem abrir-se imensos territórios a suas ambições, etc.

A água do mar, tão violentamente obrigada a espalhar-se, evapora-se mais do que antes, ou procura repouso misturando-se aos impressos para formar a pasta aglutinante, a tal ponto que um dia os capitães-de-longo-curso percebem que seus navios avançam lentamente, de trinta nós descem para vinte, para quinze, e os motores arquejam e as hélices se deformam.

Afinal, todos os navios param em diferentes pontos dos mares, encalhados na pasta, e os escribas do mundo inteiro escrevem milhares de impressos explicando o fenômeno, cheios de uma grande alegria.

Os presidentes e os capitães resolvem transformar os navios em ilhas e cassinos, o público vai a pé, por cima dos mares de papelão, para as ilhas e os cassinos onde orquestras de música típica argentina e de música local amenizam o ambiente refrigerado e se dança até altas horas da madrugada.

Novos impressos se amontoam à beira do mar, mas é impossível metê-los na pasta, e assim crescem muralhas de impressos e nascem montanhas à beira dos antigos mares. Os escribas percebem que as fábricas de papel e de tinta vão falir e escrevem com uma letra cada vez menor, aproveitando até os cantos mais imperceptíveis de cada papel.

Quando a tinta acaba, escrevem a lápis, etc.; ao acabar o papel, escrevem em tábuas e ladrilhos, etc. Começa a difundir-se o hábito de intercalar um texto em outro para aproveitar as entrelinhas, ou se apagam com lâminas de barbear as letras impressas, para utilizar novamente o papel.

Os escribas trabalham devagar, mas são em tal quantidade que os impressos já estabelecem uma nítida separação entre as terras e os leitos dos antigos mares. Na terra vive precariamente a raça dos escribas, condenada a extinguir-se, e no mar estão as ilhas e os cassinos, isto é, os transatlânticos onde se refugiaram os presidentes das repúblicas, e onde se celebram grandes festas e se trocam mensagens de ilha a ilha, de presidente a presidente, e de capitão a capitão.
____________________________
* Trecho do livro Histórias de cronópios e de famas, do escritor argentino Julio Cortázar.




flor de urucum





sábado, 23 de março de 2013

preciosidades


...no domingo, tomar banho de chuva
...na segunda feira, caminhar pelo cerrado, observando rastros de onça, anta, capivara
...na terça feira, ler Isaac Asimov, enquanto a chuva tamborila na paisagem
...na quarta feira, comer guariroba recém cortada, ali, no quintal
...na quinta feira, gargalhar no escuro, em meio ao shopping center, enquanto a luz não volta
...na sexta feira, tomar 300 "miéle" de suco de laranja na beira da estrada, enquanto, sem muita pressa, vou voltando para casa...



pausa (1)






quarta-feira, 13 de março de 2013

cópias originais



Os alto-falantes vão espalhando acordes de uma melodia que contrasta com a tarde barulhenta. Ele segue, calmamente, empurrando seu carro-estúdio, entre carros, prédios, asfaltos. CDs originais.



terça-feira, 12 de março de 2013

Dilema da antropologia física


Há dois dias minha mãe anda às voltas com um dilema, que tomou seus pensamentos em madrugadas insones. Ela retomou a ideia de que, originalmente, os hominídios eram quadrúpedes, e que a posição ereta contraria a estrutura física da espécie. As mãos, observa, são perfeitas para apoiar o tronco. Pôs-se a imaginar homens e mulheres andando sobre quatro membros. E então deparou-se com o dilema: os cabelos. Ora, nessa posição, fatalmente os cabelos cairiam no rosto, e dificultariam seus movimentos. O que fazer com os cabelos?

Noites de insônia... papo de gente maluca... exercícios que me encantam...



amar em Brasília


Vou passando pelos viadutos, em direção às superquadras 100. Observo as marcas do tempo no concreto. Orquídeas florescem tons lilases no tronco de uma palmeira, entre o semáforo e os edifícios. Nos anos 60, Clarice Lispector escreveu um conto que leva o nome da cidade. Ali comenta, entre outras impressões sobre seu estranhamento com o lugar: "A hera ainda não cresceu"... Noto que, meio século depois, a hera já deitou morada. E o horizonte se mantém como plataforma da cidade. O mesmo horizonte suave que sustenta a cúpula do céu sobre nossas cabeças. 

Eu aprendi a amar aqui. Talvez por isso meu amor tenha esse jeito de horizonte. Ondulações leves, sem aclives ou declives assustadores. Sem precipícios. Paisagem que faz o distante parecer próximo. Então não quero parar de caminhar, mas nem é preciso me desabalar em corrida desenfreada. Esse amor tem as marcas da força e da calma, em lugar da vertigem e da tempestade. 

A hera, deitando morada, multiplica seus braços, sem afoiteza. O tempo, estendido no horizonte, segue seu curso lentamente. Irreversível. Indelével. 

Meu amor quer ser assim.




sexta-feira, 8 de março de 2013

NÓS & NÓS: instalação desmontada, objeto final, rastros...






A instalação relacional NÓS & NÓS não teria sido viável não fosse a disponibilidade do Cleomar Rocha e do Quéfren Crillanovick, parceiros queridos. Os três, juntos, começamos a sonhar, já há algum tempo. A Galeria da FAV aprovou a proposta, incorporando-a ao calendário de exposições. Pronto: com data marcada, começamos a organizar as etapas, como quem prepara uma festa. Nessa etapa, somos gratos à Ciça Fitippaldi e à caríssima Rejane - que não conheceu dificuldades para cuidar da produção, e também para abrir a galeria em vários horários, e receber os públicos. Mateus Lima incorporou-se ao grupo, que cedeu seu puf maravilhosamente aconchegante para integrar o ambiente. E os monitores da Galeria acompanharam o público, entre descobertas, sustos e sobressaltos. Quantos mais se deixaram envolver pela proposta, brincando, contando histórias - querida Glorinha Fulustreka! - amarrando, costurando, jogando... Uns com mais força, de modo intenso, outros com comedimento. Quantos chegaram com receio, mas expandiram o gesto tão logo perceberam que não haveria proibições, e o que valia era brincar, amarrar, dar nós, tramar! Agradeço, também, à Júlia Mariano, ao Renato Cirino, ao Paul Setúbal, à Dânia Soldera, que se prontificaram a ajudar, correndo riscos em alguns casos (não é, Paul?), para deixar pulsar o espírito dessa festa. 

Está aí: desfeita a grande teia da aranha gigante que desceu do céu... Aí está, a instalação condensada.


quinta-feira, 7 de março de 2013

Uma adivinhação e a renúncia do Papa


Entre as notícias relativas à renúncia do Papa, ando às voltas para encontrar um modo de minimizar uma frustração. Explico, ao mesmo tempo que peço permissão para contar esta história. Os que já tenham ouvido, perdoem-me pela repetição.

Quando criança, gostava de brincar inventando adivinhações com minha mãe. As perguntas, iniciadas com "o que é, o que é...", mesclavam algumas já conhecidas, encontradas em revistinhas, ou aprendidas na tradição oral, com outras inventadas ali na hora - que, é claro, nem sempre davam certo.

"O que é, o que é que cai em pé e corre deitada?"

"O que é, o que é que trabalha deitado e descansa em pé?"

"O que é, o que é que enche uma casa mas não enche uma mão?"

E assim seguíamos por horas. Havia algumas perguntas preferidas, por acenarem para mundos desconhecidos, personagens instigantes, ou portarem informações que provocavam a curiosidade. Dentre essas, uma me agradava particularmente:

"O que é, o que é que um rei vê poucas vezes, e o Papa nunca vê?"

Essa pergunta evocava figuras que eu nunca vira, reis e papas, e provocava minha curiosidade, considerando que fossem personalidades que tudo pudessem, ou quase tudo. Como poderia existir algo que vissem pouco, ou nunca vissem? A menos que fossem cegos, e essa não era a questão...

Sempre achei essa pergunta engenhosa, instigante. A resposta vinha como um achado, ainda que repetida pela enésima vez: "Seu par". É claro: há poucos reis no planeta, encontram-se raramente! Mas um papa nunca se encontra com outro papa, porquanto só há um, e seu sucessor é eleito apenas após sua morte!

Mas isso agora é passado...

Tudo mudou, desde o dia 28 de fevereiro de 2013, e minha adivinhação predileta não tem mais sustentação...



sábado, 2 de março de 2013

NÓS & NÓS: emaranhados prá mais de metro...


Dedico esta imagem àqueles que acreditavam já ter conhecido emaranhados...
 E pergunto: quem se habilita a adentrar essa floresta?



em campo, no campo, no set de filmagem com Muniz: Gravando!



Gravação do filme Capitão do Mato,
 com o Sistema CooperAção Amigos do Cinema,
 sob regência de Martins Muniz.
 Data: 17 de fevereiro de 2013.
 Local: Cedro, Município de Trindade/GO.